sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Joan Miró

Um homem misterioso que raramente se expunha, embora admitisse que esse traço do seu carácter ia-se modificando. Foi alguém que se quis apagar atrás da tela e deixar transparecer somente a sua obra, onde exibia os seus sonhos e criava um mundo tal como o via.
                Criou um mundo, através das suas telas que nos liberta da “preguiça mental” que ele detestava acima de tudo. Queria proporcionar ao observador a aprendizagem da liberdade, através dos seus traços e cores marcantes.
                Não pretendia que a sua obra fosse traduzida em palavras, pois palavra alguma seria capaz de traduzir a sua perturbação emocional.


Como Nasce um artista
                Joan Miró Ferrà nasceu dia 20 de Abril de 1893, em Barcelona. O seu pai era ourives-relojoeiro nos arredores de Tarragona e a sua mãe doméstica, filha de um carpinteiro de Palma de Maiorca. Teve apenas uma irmã, Dolores, por quem sentia uma grande ternura.
                Entrou para a escola "Calle Regomir", em 1900, onde inicia os seus estudos e cursos de desenho. Após a instrução básica e por insistência do pai, frequentou a Escola Comercial de Barcelona. Pouco depois, inscreveu-se na Academia de Belas-Artes "La Escuela de la Llotja", a mesma que Picasso havia frequentado alguns anos antes, tendo como professores Modesto Urgell (paisagista) e José Pascó Merisa (artes decorativas e aplicadas). Não foi um bom aluno e concluiu com dificuldade a escolaridade aos 14 anos. Aliás, desde criança gostava bem mais de desenhar e pintar, tendo aprendido com o pai, que também o motivou, a interessar-se pela astronomia. Os seus professores na Escola de Belas-Artes, influenciaram o jovem Miró quer ao nível da inspiração, quer no que respeita ao gosto pela liberdade artística. Sempre o aconselharam a seguir as suas próprias tendências. O pai seguia com interesse a aprendizagem de Miró, no domínio das artes decorativas e aplicadas, na esperança de que ele viesse a tornar-se um profissional de ourivesaria, como ele. E, na realidade, as artes aplicadas exerciam sobre Miró um enorme fascínio, sobretudo quando relacionadas com a arte tradicional da Catalunha.
                Joan Miró viveu a sua infância em Barcelona, mas as férias eram passadas em Tarragona, em Montroig e Palma de Maiorca. Para satisfazer a vontade do pai e depois de concluída a sua formação na escola comercial, abandonou os estudos e a pintura, empregando-se como ajudante de contabilista numa empresa de construção e de produtos químicos. Contudo, este não era de maneira nenhuma o caminho que queria seguir. Em 1910, sofreu uma depressão que o levou a um esgotamento nervoso, seguido de uma espécie de febre tifóide. Foi este o facto que convenceu o seu pai que ele não estava realmente vocacionado para o comércio ou mesmo actividades burocráticas. Tinha que deixá-lo seguir o seu próprio rumo. Para se restabelecer da doença, foi para a quinta que a família, adquiriu em Montroig, na região sul de Barcelona, que se tornou uma verdadeira inspiração para Miró.
                A partir dessa altura decidiu que se iria dedicar inteiramente à pintura, então matriculou-se numa escola de artes em Barcelona. Aprendeu a produzir desenhos usando o sentido do tacto, com os olhos vendados. Este método foi treinado com a ajuda dos professores Pasco e Galí e consistia em que os alunos, através do tacto, tivessem a percepção de um objecto para depois o reproduzir no papel. O objectivo era essencialmente libertar o artista da aparência real das "coisas" para melhor captar e reproduzir a aparência profunda das suas formas. Aprendeu também, a fixar de memória as paisagens quando se deslocavam com o professor. Este processo tinha como finalidade obrigar os alunos a reter as paisagens na memória, para mais tarde as reproduzirem, servindo-se apenas da sua memória visual. Também a educação musical fazia parte do programa da escola de Galí que formara um grupo coral próprio e organizava semanalmente concertos musicais. Os seus alunos tinham camarotes reservados nos concertos da Sociedade de Música de Câmara, em Barcelona. Estas actividades tornaram-se importantes na vida e obra de Miró. É a partir deste momento que começa a carreira artística de Joan Miró.

Primeiro contacto com as vanguardas
                Os primeiros trabalhos de Miró nasceram sob a influência das novas tendências da pintura moderna francesa – pós-impressionismo, cubismo, fauvismo – que se verificam em Barcelona no início do século XX. Não se conhecem muitas obras ou exercícios da sua vida académica. Miró inaugura a sua obra utilizando o que mais lhe interessa dessas primeiras vanguardas.

Quinta em Montroig
                Um dos fios condutores da obra de Miró é a sua grande ligação à terra, da qual tira energia como faz uma árvore através das raízes. Embora nascido em Barcelona, desde criança ia a uma província de Tarragona, de onde era natural o seu pai, e depois Montroig – onde a família comprou uma herdade – e Maiorca, terra natal da sua mãe. Esse universo telúrico surge com força numa série de quadros que costumam ser qualificados pelo seu intenso pormenor, pelo minucioso registo que neles se faz, desse idealizado mundo rural que alimenta a imaginação de Miró. Paisagens e objectos diversos aparecem sempre sob uma luz intensa e uniforme, como numa epifania dessa energia produzida pela terra.

A Experiência Surrealista
                Quando Miró se instala na oficina que Pau Gargallo lhe cede, em Paris, entra em contacto com o grupo de poetas e artistas que, provenientes da experiência dada, fundam em 1924 o grupo surrealista liderado por André Breton. Miró nunca foi um surrealista ortodoxo, mas o potencial que o movimento lhe oferece ao legitimar o inconsciente e o onírico como material artístico, serve-lhe para libertar a sua própria escrita pictórica, sintetizando os elementos.
                O mundo do imaginário e o inconsciente, mais que um fim, é para Miró um instrumento de medição pictórica, uma maneira de dar forma no quadro, à sua experiência vital e à sua memória.

Personagens
                Depois de assimilada a experiência surrealista, Miró cria uma iconografia própria com especial atenção para a figura humana. Seguem-se uma série de obras marcadas pelo traço livre e seguro, nas quais a cor e a forma constroem o quadro. A prática da colagem sugere-lhe novas formas a transportar para a tela. Os fundos dos quadros tornam-se geralmente escuros, provavelmente pela perturbação que provoca no âmbito do artista, o ambiente pré-bélico dessa época. As composições começam a aparecer com figuras deformadas e as extremidades dos corpos alargam-se.

Constelações
                Miró tinha-se estabelecido com a família em Varengeville, uma pequena povoação na costa normanda em 1939 e permanece lá até que o avanço das tropas alemãs o fazem decidir voltar para Espanha no ano seguinte. O desejo de evasão de uma realidade hostil e o contacto com a paisagem e a luz da Normandia, tão diferente do seu meio mediterrânico habitual, estão patentes numa série de vinte e três pequenas obras pintadas entre 1939 e 1941, que têm o título de Constelações. O céu com as estrelas são o principal motivo desta série realizada sobre papel molhado e enrugado, de forma que um emaranhado de linhas e pequenos ideogramas de cor, que aludem a pássaros, personagens alegóricas, estrelas e animais, activa uma superfície viva e texturada. A imagem do cosmos conduz o pintor para um registo topológico e expansivo do espaço, avançando, apesar do pequeno formato os sistemas de organização que se generalizam nas grandes telas  e em muitas outras posteriores.

Conquista de uma Linguagem Própria
                Com o regresso a Barcelona, em 1942, Miró encerra o turbulento período da Guerra Civil e da Segunda Guerra Mundial. A sua carreira orienta-se definitivamente a partir da exposição em Nova Iorque, que difunde a sua fama nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que a sua escrita pictórica amadurece numa linguagem pessoal que vinha a ser moldada desde os anos 20. As Constelações serviram para fazer de todo o espaço do quadro uma superfície unitária integrando figura e fundo. Desde 1945 o seu vocabulário pessoal está perfeitamente codificado e nas pinturas desta época destaca-se a ligação dos fundos, nos quais a cor se integra com a textura do suporte definindo um espaço especificamente pictórico, ou autónomo.

Últimos anos
                Os últimos anos da carreira de Miró caracterizam-se pela abundante utilização do preto e pela despreocupação na aplicação da pintura sobre a tela, dando lugar a pingos e salpicadelas contínuas. A partir dos anos 70 as exposições sobre a sua obra sucedem-se a um ritmo crescente: a sua figura é reconhecida e valorizada em todo o mundo. A instantaneidade que segue nos seus quadros é inimitável, os temas a que alude sempre – terra, céu, mulher, pássaros – são já clássicos no século XX, expressos por meios – simplicidade na composição, traço seguro, cores essencialmente primárias – cuja universalidade demonstra a sua utilização posterior em âmbitos diferentes, como o do desenho gráfico publicitário.
         Na sua última fase parecia predominar a ausência de cor nos seus trabalhos, dedicando grande espaço ao preto e ao branco. Pensa-se que isso se deva a problemas visuais, comuns em idades muito avançadas.
                O artista trabalhou também com cerâmica e considerava isso muito gratificante pois possibilitava-lhe tocar e mexer nos objectos - vasos, pratos - que usava como suporte para o seu trabalho. Passou muitos anos a dedicar-se a isso e o resultado são trabalhos importantes dentro do contexto de sua vida, embora menos valorizados no universo dos museus e menos conhecidos do público. Fez ainda litogravuras e realizou a sua primeira viagem aos Estados Unidos para fazer um mural de grandes dimensões que ocupou nove meses de intenso trabalho. Diversificado, versátil, criativo.
               Criador de novas técnicas nos trabalhos de cerâmica e de uma maneira peculiar de exercer o ofício de pintor, Miró foi premiado com títulos e homenageado em todo o mundo, superando todas as dificuldades iniciais encontradas na juventude e no início da vida adulta. Na última fase de sua carreira foi regiamente pago por trabalhos encomendados e colocado na galeria dos grandes artistas.     
               Joan Miró morreu a 25 de Dezembro de 1983, aos 90 anos, em Palma de Maiorca, ainda em actividade.


3 comentários:

  1. já lá estive, mas... pretendo voltar :)

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  2. Amo Miró,Barcelona a Catalunya, os català, tudo oriundo desse país maravilhoso. A fundação Joan Miró é linda!A cidade é linda, nossa! Amo!

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